Esta última semana foi dura. Muito dura!
É claro que já sabia que a Malhó ía morrer, era evidente que não iria durar muitos mais anos.
Eu achava que estava preparada. Só que não...
No dia do seu 104º aniversário, no qual a fomos visitar, eu soube que o fim estaria para muito breve. Eu senti!
Eu vi muitas pessoas a partirem, muitas mais do que devia ou queria, e em muitas delas era possível perceber que íam morrer daí a umas horas.
Às vezes algumas colegas diziam "Tu não agoires!" ou "Lá estás tu com essas coisas!" mas raramente me enganava. Quando não era naquela noite era na seguinte.
Mas se até com essas pessoas, que não eram as minhas pessoas, eram "apenas" meus doentes, me custavam, até por elas eu chorava.. Quantas vezes passei a Ponte 25 de Abril a chorar, depois das mortes que assisti no trabalho! Tantas, tantas!
E desde que a Malhó morreu que sinto uma tristeza muito grande. Uma dor que não estava preparada para sentir. De todo...
Sei que tive o privilégio de a ter durante estes anos todos.
Sei que ela teve uma vida longa e que recebeu e deu muito mimo e muito amor. A mim deu-me tanto, que quando eu era pequena tinham medo que eu ficasse uma "mimada", que ela me estragasse com tanto mimo. Mas não estragou...
Acho que não expliquei de onde veio o nome Malhó!
Ela é madrinha da minha mãe e toda a minha família a chamava de Mamã Aurora, ora eu em pequena não conseguia dizer Aurora e mudei para Alhó, juntei o Mamã atrás e ficou Mamã Alhó, com o tempo foi encolhendo só para Malhó, a minha Malhózinha!
Sei que a podia/devia ter visitado mais vezes, pois podia. Mas fui as vezes que fui e pronto.
Não lamento nada, nem tenho arrependimentos.
Sei disso tudo.
Mas também sei que não a tenho nunca mais. E isso custa imenso, porra!
Não deixei de rir nem de brincar nem tenho sentimentos de culpa quando me saem umas asneiradas da boca para fora ou umas gargalhadas. Não tenho. Sinto tudo junto. Sinto muita saudade ao mesmo tempo que sinto tudo o resto.
Já não me martirizo por sentir alegria, quando os outros acham que devia andar de cara triste e de luto carregado! O luto carregado está no meu coração. Não na minha roupa ou na minha cara.
Nestes últimos dias tenho revivido tantos momentos que vivi com ela! Tenho memórias tão vívidas que até me faz impressão!
Eu que sou a representação do esquecimento elevada ao expoente máximo!
Lembro-me das férias que passamos nas termas do Vimeiro, de dormir no chão do quarto dos meus padrinhos na pensão ao lado do hotel. Lembro-me da sala do pequeno almoço. De ir às piscinas. De ir no comboio para a praia de Porto Novo. Do meu Padrinho ficar no café a ler o jornal e eu ir para a praia com a Malhó. Dela fazer inalações de água do mar sempre que íamos à praia, dizia que era bom para desinfetar o nariz e ficar a respirar bem. (Ela sabia bem o que fazia!)
(No domingo passado fui caminhar para essa estrada que liga as termas à praia.)
Quem diria que viria morar para aqui tão perto. Para mim, na altura, isto era um lugar longínquo. Nós vínhamos de Almada e não haviam autoestradas nem Rede Expressos. Não sei quantos transportes apanhávamos. Não me lembro das viagens.
Mas lembro de muito mais...
Da casa onde vivíamos em Almada, na Rua D. Sancho I.
Lembro-me de ter visto o filme Grease com ela, que me deixou ficar acordada até tardíssimo nesse dia.
Lembro-me de ir ao Incrível Almadense com o meu Padrinho ver o My Fair Lady, senti-me tão crescida! .
Lembro-me dos fatos alugados no carnaval e de ir à leitaria que tinha um cheiro que me enjoava.
Lembro dos bolos que comia no Repuxo e das vianinhas no Dragão Vermelho. De irmos ao Centro Comercial M. Bica e ao mercado.
Lembro-me do Tulicreme e de pão com manteiga e açúcar. De bombocas, brancas e cor de rosa. Lembro de ir almoçar fora aos domingos a um restaurante "O Tarro" que nem sei se ainda existe. De ir ao alfaiate e à costureira. De ir ao sapateiro, o Sr. Conde, que dizia que havia de fazer os sapatos para o meu casamento. Ainda lá deve estar à espera, coitado! Ao minimercado do Sr. Zé ao fundo da rua e de ir buscar meio pão alentejano e dois papo-secos ao Lugar quase ao pé da porta. Da taberna do rés do chão de onde vinha o cheiro das pipas cheias de vinho, para encher os garrafões revestidos de plástico branco e de onde saíam por vezes uns senhores a trocar os pés. Na altura não percebia bem o porquê! De ir passear a Cacilhas e ver os barcos. De ir passear ao Castelo e ver Lisboa.
Todas estas memórias e muitas mais me invadiram nesta última semana.
Muitas acompanhadas de lágrimas e outras de sorrisos, outras vezes de sorrir a chorar, mas todas elas minhas, cheias de emoções.
É o que fica.
As memórias...
A saudade...
...e que vão preenchendo devagarinho este vazio que nos fica no peito.
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Muitos beijinhos