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A minha Malhó...


A minha Malhó fez hoje 104 anos.
E hoje faleceu!
Quando estive com ela em Fevereiro, não achei que fosse chegar a hoje.
Mal chegou, esperou pelo aniversário e pelas visitas!
Hoje chegámos ao Lar, com bolo, flores, mas já não fizemos festa.
Ela estava já muito pouco reativa, só reagia ao toque nas pernas, (devido às dores que tinha) e muito pouco.
Esteve à nossa espera para partir, por isso sei que ela nos sentiu, apesar de não ter conseguido responder.
Viemos todos embora e há pouco ligaram a dar a notícia...
Quando saímos de lá, sabíamos que seria o desfecho mais certo e para muito breve. Achei que seria durante a noite que é quando acontece mais frequentemente. As madrugadas chamam as almas que estão para partir.

É das pessoas mais importantes da minha vida.
Uma das que mais me moldou como pessoa nos primeiros 10 anos da minha vida, e a quem fui buscar muita sabedoria.
Era uma senhora muito distinta. Sempre muito bem arranjada. A carteira a combinar com o sapato e os brincos iguais à pulseira e ao anel! Era tão vaidosa e tão orgulhosa de o ser. Também me passou essa vaidade. "Tens que ser vaidosa, sair de casa sempre bem arranjada". Assim que chegavamos a casa toca de mudar de roupa "Quem tudo põe à cozinha, não vai à missa com a sua vizinha", dizia ela tantas vezes!

Viveu grande parte da vida dela em Almada e há 40 anos era conhecida por quase toda a gente ali da zona.
Era Explicadora!
O Ensino e a Matemática eram as paixões dela!
O meu padrinho foi o seu grande Amor! Quando ele morreu, há 25 anos, pensámos que ela morreria de desgosto, mas ela foi vivendo, e ainda muito capaz durante muitos anos. Já com algumas dificuldades em viver sozinha no centro duma grande cidade e facilmente enganada pelos amigos do alheio, foi viver com o meu tio e quando o cuidar duma pessoa cada vez mais dependente e quase centenária não foi mais possível, ela foi para um lar! Tivemos a maior sorte do mundo, pois sempre a trataram como se fosse família e assim continuaram a tratar, até hoje! 

Com ela aprendi que a bondade nunca é demais! Podemos sempre ajudar alguém, há sempre um prato de sopa para mais um, uma palavra amiga, um abraço, um mimo! 
Quem morava por ali perto sabia que podia contar com a Dona Aurora! 
Quando a Dona Aurora vinha à rua demorava 2 ou 3 horas a voltar porque toda a gente lhe queria pagar um cafézinho, e ela bebia-os todos, 7 ou 8 ou mais! 
E o que ela gostava de café! "Uma italiana em chávena escaldada" e se tivesse mais 2 milímetros do que o que ela gostava, já não conseguia beber! Mandava para trás e o empregado já sabia pelas caretas dela que era para tirar outro! Era muito exigente com o café! 

E eu era a menina dos seus olhos.
Deu-me muitos mimos, muitos beijinhos, muitos abraços apertados até me faltar o ar e muito colinho!
Ensinou-me a ler, a escrever e a fazer tudo o que se aprende nos primeiros anos de escola, era muito exigente comigo e eu correspondia às exigências!
Eu era suposto ser a menina esperta, bem educada e bem comportada, e eu era! Não era sempre... Levei uns quantos puxões de orelhas!
Aprendi que não se responde "O que é?" quando nos chamam! Principalmente se fosse com mau tom!! O meu rabo ainda se lembra dessa lição!
Eu também era teimosa e difícil para comer, principalmente peixe (chegava a almoçar até à hora do lanche)! Ela gritava até me furar os tímpanos! Mas aprendi a comer peixe, gostasse ou não. E hoje gosto.
Aprendi que o melhor jantar de domingo era chá e torradas (tinha que comer sopa) e que jogar às cartas era um programa que unia os casais amigos durante tardes inteiras!
Ensinou-me muitas coisas sobre como viver em casal. Esteve casada mais de 50 anos e gabava-se de nunca ter tido uma discussão. Claro que grande parte dessa harmonia se devia ao facto de silenciar muitas das suas vontades e opiniões. 
Na altura (eu devia ter os meus 20 anos) achava que jamais viveria assim!
Com os anos retirei dos ensinamentos dela muita coisa para a minha vida, fui aprendendo que mais vale ser feliz do que ter razão em todas as discussões e confrontos com os outros.
Falo dela em parte no passado em parte no presente! Ficará para sempre presente no meu coração.
Nos últimos meses foi-se muito abaixo. Teve covid em Janeiro e abateu um bocado. Deixou de comer e teve que ser entubada, estava muito magrinha, quase ceguinha e surda que nem uma porta (isso já era). E tinha períodos muito baralhada. Quando lá fui, das várias vezes que lhe disse que era eu ficou felicíssima! Depois esquecia-se. Começava a falar de coisas sem nexo e a tratar-me por você, aí percebia que ela já não sabia que era eu! Voltava a dizer-lhe e ela voltava a fazer uma cara de grande espanto e a ficar muito feliz! Parecia a Dory da história do Nemo!
A minha Doryzinha!
Senti desde há uns dias que a ía perder brevemente... E se por um lado era o expectável e ela já não tinha grande qualidade de vida, por outro apertava-se-me o coração e nem queria pensar nisso.

Só posso agradecer-te por tudo. Todo o amor, toda a sabedoria e valores que me passaste!
Obrigada!  

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