Avançar para o conteúdo principal

Queridos pais, atinem ou fujo de casa

Vi este texto aqui, e achei o máximo!

Queridos pais, atinem ou fujo de casa

Cheguei há meia dúzia de meses e não quero criar mau ambiente. Li sobre essa teoria dos bebés revirarem a vida dos pais, mas lamento informar que vocês o conseguem fazer sozinhos.
Sou bebé, tenho seis meses e preciso de desabafar. Juro que tenho uma crise de choro se me voltam a perguntar "É menino ou menina?". Sou menina, não se vê logo? E parem de me tratar como se aqui não estivesse. Desde que nasci, existo na 3ª pessoa do singular: ela chama-se, ela gosta, ela comeu, ela isto e aquilo. Ela está aqui a ouvir tudo – ouviram? 
E "ela" fala, palra, grunhe. Vocês é que não entendem, e eu ando a falar para mais bonecos do que os que vivem no meu quarto. Aproveito para dizer que já tenho três ursos e um pai barbudo e, se me oferecem mais um, vou achar que nasci numa família de ursos que raptou a mãe. Portanto, inscrevi-me no sindicato deste lar-doce-lar e tenho algumas reivindicações a fazer. 
Cheguei há meia dúzia de meses e não quero criar mau ambiente. Li sobre essa teoria dos bebés revirarem a vida dos pais, mas lamento informar que vocês o conseguem fazer sozinhos, sem precisar da minha ajuda. Os vossos olhos ensonados e cabelos desgrenhados metem qualquer fantasminha a um canto. Só de vos ver, faço xixi nas fraldas. Sugiro que se penteiem antes de aparecerem no meu quarto a meio da noite. 
Ontem esforcei-me por avisar que estava com dor de barriga: avisei uma, duas, três vezes, e vocês nada. "Gugu dadá", e já só perceberam quando sentiram o cheiro. Outra coisa: caso não saibam, é que sempre que me elevam no ar, fico enjoada. E bolso, porque vocês adoram fazer essa gracinha depois de me darem de comer. É física, sabiam?
Ah, e as mãozinhas das visitas em cima de mim... Umas mais cheirosas que outras, mas adiante, os amigos são vossos. Lá porque gosto de festinhas e de leite, não sou um gato. Depois de uma centena de festinhas, sinto-me amassada e não acarinhada. 
Mamã, quando o pai me troca a fralda, esquece-se de usar o creme muda fraldas. Pai, quando a mãe me dá banho, fico com sabão nos olhos. E depois anda por aí a lançar o boato que eu não gosto de tomar banho. Injusto. Podes mostrar-lhe aquele vídeo de como dar banho ao bebé? Prometo que não choro no teu turno da noite na próxima semana. Mas aviso-vos já que não estou para aturar as vossas distrações. Já chorei, berrei e até gemi. Se continuarem, fujo de casa assim que começar a andar.
É claro que gosto de vocês. Muito. Embora não tenha termo de comparação. Parecem-me um pouco desorientados, mas há imensas coisas de que estou a gostar. De ir para a vossa cama de manhã, do colinho a meio da noite, de quando me levam a passear pela casa. Do solzinho que entra pela janela. E dos Daft Punk. 
Mas onde é que estavam com a cabeça quando compraram o tapete do meu quarto? Se a ideia era colorir o meu estado de espírito, acertaram. Acordo tranquila a olhar o tecto branco, mas assim que pouso os olhos no tapete, fico logo com vontade de saltar do berço e dançar hip hop. Inquietam-me aquelas manchas vermelhas. Isso e o urso gigante que o avô ofereceu. Xoné? Não tinham um nome mais apropriado para um urso de peluche? Sugiro que comecem a juntar uns trocos, pois quando crescer vou ter de explicar ao psicanalista que o meu melhor amigo de infância era o Xoné, que não se aguentava em pé.
Continuemos a anotar as coisas que me agradam, sim? Ao estilo daquele programa que tenho de "gramar" todos os Sábados. Gosto da luva com fantoches, do caranguejo de plástico, do boneco-cão e do livro com barulhos. Tudo o resto, podem dar. Gosto da papa e do leite, não gosto da sopa. É insonsa. Gosto das calças de ganga e dos pijamas-saco. Não gosto, nem vou gostar nunca, de camisolas de enfiar pela cabeça. Passar a cabeça por um buraco mais pequeno que a minha cabeça é um trauma que jamais esquecerei. Gosto das maminhas da mãe. Das duas. Não gosto que me enfiem soro pelo nariz abaixo. Gosto do dedo-águia do pé do pai. Não gosto do senhor do café, nem de ir às vacinas. E lacinhos na cabeça? Caros papás, não tenho cabelo, isso acaba já aqui, hoje.
O berço não é um posto de trabalho. De manhã quero estar na espreguiçadeira e, à tarde, no chão. E sociabilizar, por isso, faço questão que se sentem no sofá ao meu lado. Se quiserem ir à casa de banho, não vão aos pares, com essa nem a mim enganam. Desaparecerem lá para dentro a fazer outras coisas, também não gosto. Quando me derem leite, olhem para mim, não falem para o lado ou vejam televisão. Está provado que as famílias que fazem refeições juntas são mais felizes.
Entretanto, já sinto saudades. Quando nasci, o pai enxotava-me as moscas, a mãe esterilizava os biberões. Seguravam-me a cabeça, pousavam-me com delicadeza no berço, falavam baixinho. E compravam-me fraldas sem ser de marca branca. Gostava disso. Podem voltar a ser assim? 
Finalmente, quando estou realmente chateada, quero o colo da mãe. Isto não é negociável. É que ela tem um não-sei-quê que, quando me pega, me faz sentir que sou a sua bebé. E me dá a certeza de que Laura há só uma e sou eu.
Sofia Anjos, 38 anos, directora de contas numa agência de comunicação, foi mãe pela primeira vez em Maio. 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Andar à Robocop...

A última vez que aqui escrevi estava doentinha ! Hoje também não estou grande espingarda... Umas dores nas costas de morrer! Cada inspiração mais profunda é o sentir de uma facada nas costas (literalmente)! Deitada dói, sentada dói, em pé dói... baahhh! Ando com emplastros nas costas (não é o leão...), saco de sementes na cervical, saco de agua quente na lombar, Voltaren, Adalgur.   A juntar a isto, Tonturas. Ora, não dá muito jeito desequilibrar-me quando tenho o equivalente a um porco espinho nas costas! Um porco espinho eléctrico! Porque parecem choques! Imagens: Google Ando do género dum Robocop efeminado! Ou seja é um andar muito, muito parvo!

Saudades

Saudades da praia saudades do sol a queimar-me a pele saudades de me esparramar na toalha sem pensar em mais nada saudades de mergulhar no mar calmo sem água gelada e ficar lá a nadar até ter os dedos engelhados saudades de ler na praia e me perder nas horas saudades do cheiro a óleo de côco, que nunca usei, mas que cheirava tão bem saudades de férias Saudades disto tudo! Preciso tanto!!!! Imagem: Google Imagem: Google Imagem: Google

Crianças que não fazem birras

Cada vez me apetece mais escrever, tenho mais ideias a fervilhar na cabeça, mas menos tempo para as vir aqui escrever. Também tenho cada vez mais coisas que quero ler! A cabeça anda a mil, e o corpo não acompanha e ressente-se da falta de férias e de paz! A piolha não tem sido fácil de aturar e na semana passada, depois de uma birra fenomenal, comprei um livro que já me tinha chamado a atenção, "As Crianças Francesas Não Fazem Birra" de Pamela Druckerman, e estou a adorar! No site da WOOK dá para ler o início do livro! Além de educativo, é engraçadíssimo! A escritora é uma americana que foi viver para Paris e notou que as crianças francesas não faziam as mesmas cenas que os filhos das suas amigas americanas! Que a vida dos casais franceses não se focava exclusivamente em satisfazer os caprichos dos seus "enfants"! Que era possível ter conversas civilizadas junto de crianças que se entretinham a brincar sozinhas em vez de estarem permanentemente a puxar a saia ...